Palavras ou pedras?



Tradicionalmente hoje, o último domingo antes da Páscoa, é comemorado pela cristandade como sendo o "Domingo de Ramos", quando muitos devotos, cultivando as tradições, participam de algum culto religioso trazendo consigo ramos de palmeiras rememorando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém montado num burrinho.

No entanto, observo nessa passagem bíblica, mais precisamente no Evangelho de Lucas, uma interessante resposta dada por Jesus aos fariseus que exigiam dele que repreendesse a voz de louvor dos seus discípulos. Vamos ao texto:


"Quando ele já estava perto da descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos começou a louvar a Deus alegremente, em alta voz, por todos os milagres que tinham visto. Exclamavam: 'Bendito é o rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!' Alguns dos fariseus que estavam no meio da multidão disseram a Jesus: 'Mestre, repreende os teus discípulos!' 'Eu lhes digo', respondeu ele, 'se eles se calarem, as pedras clamarão.'" (Lucas 19:37-40; NVI)

Na manhã desta data, eu estava lendo uma entrevista dada pelo Frei Beto ao UOL e achei bem interessante a resposta que ele deu ao jornalista sobre quem teria matado a vereadora do PSOL Marielle Franco e com qual objetivo. O religioso, seguidor da Teologia da Libertação, que não é nenhum investigador policial e nem poderia dar esse tipo de esclarecimento ao repórter (sem agir de maneira leviana se acusasse alguém), aproveitou então para fazer uma sábia aplicação da passagem bíblica em tela:


"Aqueles que se sentem incomodados com as bandeiras que ela encarnava e defendia. Nunca prestaram atenção nestas palavras de Jesus: 'Se calarem as suas vozes, as pedras gritarão'" (Evangelho de Lucas, 19, 38-40). Agora somos todos(as) Marielle." (Veja mais em https://eleicoes.uol.com.br/2018/noticias/2018/03/25/entrevista-frei-betto.htm?cmpid=copiaecola)

A tradução empregada por Frei Beto me pareceu bem interessante e oportuna pois mostra a importância de se dar a palavra ao povo para que clame pelos seus direitos e anseios tal como fazia Marielle em defesa dos negros, das mulheres, dos homossexuais e dos moradores das comunidades carentes do Rio de Janeiro. Pois, embora fosse vereadora num país democrático, ela era a voz de quem até hoje não conquistou o seu essencial direito de expressão por viver em locais dominados pelo tráfico e as milícias, onde o ser humano se torna vulnerável às mais diversas covardias. Inclusive aos abusos que também podem ser cometidos por alguns maus policiais que deveriam combater o crime.

Certo é que, quando se tira do povo a palavra na voz de seus representantes, os representados tendem a clamar e muitas das vezes com "pedras", sendo que a consequência disso nem sempre é positivo para o bem estar de uma sociedade democrática, podendo ou não produzir resultados construtivos. Isto porque nem sempre a mobilização dos que se revoltam é feita objetivamente, embora sempre cause impactos.

Tornando à mensagem do Mestre, creio que Jesus não deva ter tirado do nada aquela resposta que me faz lembrar uma passagem do Antigo Testamento, mais precisamente do profeta Habacuque que viveu na época da reconstrução do Templo de Jerusalém:


"Você tramou a ruína de muitos povos, envergonhando a sua própria casa e pecando contra a sua própria vida. Pois as pedras clamarão da parede, e as vigas responderão do madeiramento contra você. 'Ai daquele que edifica uma cidade com sangue e a estabelece com crime!'" (Habacuque 2:10-12)

Fazendo aqui uma última reflexão, vejo o quanto esse país e suas cidades carecem de justiça social. É urgente que essa casa chamada Brasil, cujas pedras são o seu sofrido povo, seja limpa de tanto crime e do sangue que se derrama pelas ruas. E mais do que nunca há que se usar da palavra para que denunciemos corajosa e continuamente todas as ilicitudes cometidas contra a população ao mesmo tempo em que devemos nos abster de praticar o mal.

Ótima semana a todos!

OBS: Imagem acima extraída de http://sombradoonipotente.blogspot.com.br/2016/03/as-pedras-clamarao.html

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